Nota Pública | Apoio ao veto do Prefeito Ivo Gomes ao PL 2154/2017



Nota Pública de Apoio

O que é “ideologia de gênero”? O que é ideologia? O que é gênero? Você sabia que mulheres eram proibidas de usar calça comprida porque esta era uma roupa “de homem”? e que mulheres não podiam ter o cabelo curto porque isso também era coisa “de homem”? o que dizer então de uma mulher se tornar vereadora? Isso também era coisa de “homem”! Você sabia, então, que todos esses direitos somente foram conquistados graças ao debate sobre gênero, que redefiniu o papel do que “é de homem” e o que é “de mulher” na sociedade?

Atentando a todos esses questionamentos e a tantos outros, os Movimentos Sociais, a Coordenadoria dos Direitos Humanos, Instituições, Centros Acadêmicos e Grupos de Pesquisa e Extensão, abaixo assinados reúnem-se para publicamente manifestar apoio ao veto do Prefeito Ivo Ferreira Gomes ao projeto de lei nº 2154/2017, aprovado na Câmara Municipal de Sobral em 12 de dezembro de 2017, que expressamente “proíbe as atividades pedagógicas que visem à reprodução de conceito de ideologia de gênero na grade de ensino da rede municipal e da rede privada do Município de Sobral - CE”.

Referido ato normativo, fadado à inconstitucionalidade, seja formal, em decorrência da usurpação de Competência privativa da União para legislar sobre normas gerais que digam respeito a diretrizes e bases da educação nacional, seja material, em virtude de seu teor contrário ao Texto Constitucional, retrata de maneira preconceituosa termos e conceitos sociais, demonstrando pouco conhecimento acerca da temática.

Em virtude disso, propõe-se à Casa Legislativa a abertura de suas portas ao diálogo e ao esclarecimento, por meio do debate propositivo do assunto, com a participação de grupos especialistas na matéria, que invariavelmente contribuirão para a elucidação de qualquer equívoco, que porventura tenha se criado na formação das ideias. A SOCIEDADE CLAMA PELO DEBATE.

É certo que vivemos em um ambiente político hostil, no qual se observa a proliferação de notícias fajutas, que tem como claro propósito desinformar a população através da propagação de mentiras e invencionices.

Não foi diferente com o que diz respeito à temática de gênero. Se criou em torno do assunto uma rede de mentiras, que se utiliza do que há de mais baixo e vil na disseminação de informações falsas. Há quem serve tudo isso, não sabemos. Porém, não podemos permitir que assunto de tamanha envergadura seja pautado com base em premissas falsas.

Em primeiro lugar, há de se considerar que sequer existe uma disciplina curricular específica que trate sobre questões de gênero. Tampouco existe um interesse iminente de incluir qualquer disciplina nesse sentido nas grades curriculares. De qualquer modo, ainda que houvesse referido interesse, do que especificamente estamos falando quando nos referimos a gênero e qual a importância da reflexão sobre o assunto? Esse é o questionamento central da celeuma, posto que muitos dos que se posicionam sequer sabem do que trata a discussão, muitas das vezes deixando-se levar justamente pelas referidas falsas notícias.

O conceito “ideologia de gênero” foi criado com intuito pejorativo, pelo que vem sempre carregado de muito preconceito e desinformação. Por exemplo, o debate de gênero em nada tem a ver com “incentivar meninas a virarem meninos” e vice-versa ou ainda “ensinar sexo às crianças”. Nada disso. A discussão de gênero nos leva a refletir sobre os papéis do masculino e feminino na sociedade. Sim, nos faz pensar sobre as inúmeras desigualdades existentes em virtude de papéis que foram historicamente e socialmente construídos, e que nada dizem respeito ao sexo biológico das pessoas.

Ou seja, a discussão de gênero não quer impor nada a ninguém. Muito pelo contrário. Quer nos fazer pensar e refletir. Por que menino não pode chorar? Por que menina não pode querer pilotar um avião?

Percebam que essas “regras” e “convenções” sociais é que são imposições, de modo que a discussão de gênero vem justamente para questioná-las, para dizer que homens e mulheres são diferentes uns dos outros, sim, assim como homens são diferentes entre si e mulheres são diferentes entre si, também.

No entanto, essas diferenças não podem pautar nossa vida e nossa participação em sociedade, pois que elas não nos tornam superiores ou melhores que ninguém. É exatamente por sermos todos diferentes é que devemos RESPEITO ao próximo em suas diferenças e individualidades.

Tudo isto posto, tem-se que o trâmite do projeto de lei votado se deu ausente de qualquer embasamento de pesquisas de referência sobre a temática de gênero, tornando sua aprovação temerária. Além disso, nota-se também a ausência de diálogo com a sociedade civil, tampouco com instituições e/ou movimentos sociais representativos da comunidade LGBTI, apesar da importância e complexidade do assunto abordado, bem como da repercussão prática e simbólica gerada.
A Carta Magna Brasileira prevê, no Art. 3.º, inciso IV, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O texto do projeto de lei amplamente repudiado remete à inaceitável censura explícita, cujas marcas e resquícios em nossa história democrática ainda se fazem vívidas, já que previamente priva o ambiente escolar do debate sobre identidade de gênero e orientação sexual, fenômeno social cuja realidade e existência não podem ser ignoradas no âmbito escolar. A educação, muito além de formar meros reprodutores de conteúdo, prepara o ser em formação para a vida em sociedade, ou seja, um elemento essencial para a formação da cidadania, além de ser instrumento de transformação cultural.

O Brasil é o país que mais assassina LGBTs no mundo. Segundo dados da Rede TransBrasil e do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2017 foram um total de 445 mortes. Informações da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA), o Brasil é também a nação que mais mata sua população LGBT nas Américas e que possui um altíssimo índice de violência contra as mulheres como observado no Mapa da Violência: Homicídios de mulheres no Brasil. As estatísticas apenas demonstram o atual quadro social destes grupos, que vivem marginalizados, assolados pela intolerância e pelo preconceito, em meio a uma cultura machista.

Com efeito, não abordar em sala de aula assuntos relacionados a gênero e sexualidade não os exclui da realidade social, mas tão só contribui para a alienação de crianças e jovens, por meio da perpetuação de tabus, preconceitos e estigmas, contribuindo com a manutenção da invisibilidade e vulnerabilidade destas “minorias”.

A educação plural, com vistas à vida contemporânea, é não só um direito do cidadão, como um dever do Estado, conforme previsão do art. 206 da Constituição Federal, que preconiza, no que tange à educação: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.

TODAS ESSAS CONSIDERAÇÕES NOS LEVAM A APOIAR O VETO DO EXECUTIVO, APROVEITANDO, AINDA, A CONCLAMAR POR DEBATE, DIÁLOGO E PARTICIPAÇÃO POPULAR NO TRATO DA MATÉRIA.

Sobral, Ceará – 19 de fevereiro de 2018.

Assinam esta nota:
01 Coordenadoria dos Direitos Humanos de Sobral.
02 SINDIUVA
03. UJS
04. UNEGRO
05. Levante Popular da Juventude.
06. CA de Ciências Sociais
07. CA de História - UVA
08. Associação Nacional de História - Secção Ceará.
09. Coletivo VRRA
10. Transversar - UFC
11. PSOL Sobral
12. Rede Emancipa
13. USES
14. DCE / UVA
15. CA de Química - UVA
16. Juntos
17. MAM
18. APEOC
19. Liga Acadêmica de Direitos Humanos(LADH)
20. Fórum Permanente em Direitos Humanos de Sobral
21. Conselho Regional de Serviço Social- CRESS 3° Região
22. NEABI/IFCE (Sobral)
23. Consulta Popular - Sobral
24. Labome - UVA
25. Centro de Umbanda Macaia do Caboclo Pena Verde.
26. Associação Graúna
27. Conselho Regional de Psicologia - CRP 11
28. Coletivo Bato Siririca
29. JSPDT Sobral
30. Instituto de Apoio ao Desenvolvimento da UVA – IADE
31. Coletivo Queer É isso / Grupo de Estudo e Pesquisa de Corpos e Sexualidades.
32. PCdoB Sobral
33. Igreja Betesda de Sobral
34. Núcleo Popular
35. Conselho Municipal da Criança e do Adolescente
36. Travessias – UFC
37. Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero OAB



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